domingo, 15 de dezembro de 2013

o avô José da Cunha

o avô José da Cunha era um homem engraçado. tinha a testa alta e direita e usava bigode tipo galego, diferente do bigode francês do avô Rodrigues.
não tenho a mínima ideia dele, tinha 2 anos quando ele morreu, mas o que se conta dele e o que se pode analisar dá para entender alguma coisa.
chamava-se apenas "José da Cunha", era um excelente marceneiro, homem de obra grande e resistente. fazia armários que eram autênticas casas. muita da sua mobília ainda hoje subsiste.
trabalhou bastantes anos no Porto e aí convenceram-no a arranjar um nome sonante, mais afidalgado. não era indicado ter só nome e sobrenome, era melhor ter um nome mais comprido. nesse tempo não havia Registo Civil e podia-se alterar o nome em qualquer altura. e, assim, pôde acrescentar ao "José da Cunha" um sobrenome de família: Fernandes.
mas ninguém o conhecia nem por José da Cunha, nem por José da Cunha Fernandes, nem por Fernandes. como era de Guimarães, todos lhe chamavam no Porto o "senhor Guimarães". e vai daí, oficializou o nome por que era conhecido e passou a ser "José da Cunha Fernandes Guimarães". um nome majestoso, como convinha mais ao seu porte.
tinha outras coisas.
aos filhos deu nomes começados por A e por E, e apenas um começado por M:

Adelaide
António
Arlindo
Arménio

Elisa
Ermelinda
Etelvina

Maria

diz-se que impunha respeito.
mas há sempre quem ache que respeito é uma coisa e medo é outra.
certo dia, à mesa da ceia, crescia uma algazarra fora dos critérios de tolerabilidade do meu avô Cunha. o qual, com solenidade bastante, terá dito:
 - não quero ouvir nem mais um pio!!
eis senão quando, se ouve, vinda lá do seu cantinho, a vozinha subversiva da então pequena Ermelinda:
- piiiuuui....

risada geral. dizem que o meu avô, sem perder a compostura, também se riu de vontade.



quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

as Ordens profissionais

as ordens profissionais são instituições de natureza corporativa que têm por função preparar, creditar e regular o exercício de uma profissão liberal, conceder o estatuto de especialista ou perito diferenciado a alguns dos seus membros, regulamentar as relações entre profissionais do mesmo ofício e estabelecer regras de boas práticas e princípios de natureza deontológica e ética próprios da sua atividade. 
com o tempo, algumas dessas profissões liberais evoluíram para estatutos profissionais diversos, por vezes sobrepostos. 
os profissionais liberais tornaram-se também profissionais assalariados, ora como funcionários públicos, ora como funcionários de instituições privadas, muitas vezes propriedade de outros profissionais da mesma profissão. e as ordens, entre elas a dos médicos e a dos advogados, começaram a oscilar entre intervenções e preocupações de natureza profissional liberal e intervenções e preocupações de natureza sindical - umas coloridas com tintas de sindicatos públicos, outras com tintas de sindicatos do setor privado. 
em boa verdade, deixaram de ser "Ordens", no sentido exato do termo. 
dado que, com o passar do tempo e a evolução das sociedades, os filiados de algumas Ordens [como a dos médicos e a dos advogados] passaram a ser predominantemente assalariados, elas começaram, na prática, a assumir funções cada vez mais sindicais, deixando para trás as suas atribuições originais. 
em casos mais recentes, outras Ordens profissionais emanaram e cresceram a partir de sindicatos, o que está em contradição com as necessidades históricas da criação de estruturas reguladoras de profissões livres. 
mas a sindicalização das Ordens é a sua morte. 
os sindicatos fazem isso melhor e com menos entraves, confusões e hipocrisias. 
este enfraquecimento das Ordens manifesta-se em múltiplas perdas e sucessivas desautorizações. designadamente, já nem sequer têm voz nem achamento na determinação do valor dos atos profissionais praticados pelos seus membros, assistindo-se a uma desvalorização progressiva do seu preço. 
atadas de pés e mãos, já sem a sorte grande, resta-lhes a terminação: a ética [ou melhor, a estética ou arte de bem parecer] e o poder de punir. que, curiosamente, partilham com as tutelas, as entidades patronais privadas, a comunicação social e os tribunais.
talvez por isso, os bastonários, os portadores do bastão, se venham multiplicando, hoje em dia, em declarações bombásticas de um reinvindicacionismo e de um radicalismo infantis, que só acrescentam ridículo ao que já não tem substância.

Ordens? passo.